O «Não é nada comigo» ou «Não tenho nada a ver com isso» é um padrão complementar ao «Para não arranjar problemas» do post anterior.
É uma forma de ressignificar a situação, para descartar a responsabilidade, uma justificação para fazer nada num qualquer contexto.
- Miguel é director numa empresa de comunicação social. O responsável do departamento de publicidade e o da redacção do jornal têm discussões acesas. Não se falam e instruem as respectivas equipas a não facilitar. Miguel admite que «é um problema pessoal que terão de ser eles a resolver. Não é nada comigo»
- Pedro está num clube e o presidente ofende ostensivamente dois membros. Pedro assiste a tudo e diz para si, «não é nada comigo», continuando como se nada fosse. Os dois membros acabam por sair.
- Gonçalo é director numa organização, tem à sua responsabilidade quatro departamentos. O responsável de um dos departamentos enxovalha um colaborador à sua frente. Gonçalo age como se nada fosse e retira-se. Afinal, pensa ele, «Não é nada comigo, é um problema pessoal entre os dois»
- Maria e Ana trabalham numa empresa em dificuldades financeiras. Vêem dois colegas serem despedidos verbalmente pelo gerente. Não lhes é fornecida documentação legal nem cumpridos os preceitos previstos na lei. Maria e Ana recusam ser testemunhas dos colegas. Afinal, «não é nada com elas...»
Conhece o padrão? Já presenciou algo do género? Já esteve envolvido/a em algo assim?
Disse para si «não é nada comigo»? Mantém a mesma percepção?
Pois bem:
- Miguel deixou que a empresa tivesse um problema grave que afectou a performance e o crescimento da mesma. A comunicação entre departamentos foi afectada por dois indivíduos e afectou a empresa. Claro que o problema é da organização e não de duas pessoas.
- Pedro teve o amargo de boca e foi mais tarde também abordado de forma anti-ética. Acabou por sair. Afinal, o problema que não era dele também era dele e do clube.
O que não tinha nada a ver com elas
tinha tudo a ver com elas
- Gonçalo ignorou o enxovalho porque não era nada com ele. Mas esqueceu-se que afectava o departamento, a performance do colaborador e a dos outros que assistiram. Era um problema da empresa e dele também. Teve de ser drástico mais tarde, com perdas grandes para a empresa.
- Maria e Ana foram despedidas da mesma forma meses mais tarde e tiveram uma resposta defensiva dos colegas anteriores. Afinal, o que não tinha nada a ver com elas tinha tudo a ver com elas.
Afinal, o problema que não era dele
também era dele e do clube
Se estamos no contexto, somos sempre responsáveis pelo contexto, mesmo que em diferentes percentagens. Tem tudo a ver consigo, para o bem o para o mal.